PREÇO DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS EXPORTADOS*

Clóvis Oliveira de Almeida - Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical. Doutor em Economia Aplicada



Todo produtor que um dia passou pela experiência de exportar já sentiu no bolso o quanto o preço recebido depende de outras forças que estão além do mercado de seu produto. Mesmo quem nunca foi exportador ou produtor, mas já passou pela experiência de receber uma fatura do cartão de crédito com lançamentos de compras realizadas no exterior, aprendeu na prática quanto a conta, em reais, pode ficar mais cara ou mais barata, a depender, nesse caso, do valor do dólar no dia do vencimento da fatura.


Diferentemente do preço dos bens que são comercializados exclusivamente no mercado interno, o preço dos produtos exportados é afetado por dois outros preços: o preço do bem no mercado internacional e o preço do dólar no Brasil (a força além do mercado do produto). O preço do bem no mercado internacional depende da oferta e da demanda mundiais. O preço do dólar no Brasil depende da oferta e da demanda de dólares no País. Assim, o preço dos bens exportados, em reais, é influenciado pelo comportamento de dois mercados distintos: o mercado internacional do produto, que representa o lado real da economia; e o mercado de moeda estrangeira (dólar) no Brasil, o lado monetário. Cada um desses mercados possui o seu tempo particular de ajustamento.


O mercado de produto agrícola é de ajustamento lento, porque depende de mudanças reais nas condições de oferta e demanda internacionais do próprio bem. A produção e o preço em dólares aumentam enquanto houver um excesso de demanda internacional pelo bem e declinam enquanto houver excesso de oferta. Mas o ajustamento do lado da produção não é instantâneo porque a produção agrícola não tem como responder imediatamente à demanda. Nos produtos estocáveis, antes do ajuste da produção, pode-se recorrer aos estoques para atender, até um certo limite, ao crescimento da demanda.


O tempo de resposta por meio do ajustamento da produção depende do tipo de cultivo (se temporário ou permanente) e da freqüência com que os agricultores revêem seus planos de plantio. Quanto mais curto for o ciclo da cultura e quanto mais freqüentes os agricultores reavaliarem os seus planos de plantio, mais rápido será o ajustamento. Outro importante fator de lentidão no ajustamento decorre do grande, e espacialmente disperso, número de produtores rurais envolvidos.


A separação temporal entre o plantio e a colheita, principal razão da lentidão no ajustamento do lado da produção, também constitui um forte componente de risco ao produtor. Se o valor do dólar no momento do plantio afeta os custos de produção, no momento da colheita ele afeta a receita. Assim, o movimento desejado em relação ao dólar no momento do plantio seria, em princípio, o oposto do esperado no momento da colheita. Mas, o produtor também não tem como controlar isso e termina por tomar a decisão de plantar com base no valor do dólar vigente na época adequada de plantio, época essa que depende das condições climáticas.


Na dúvida, se o produtor não sabe ao certo qual será o valor do dólar no futuro, ele torce por um valor que seja no momento do plantio o mais próximo do desejado no momento da colheita – simplesmente porque o peso do dólar sobre os custos é geralmente menor que sobre a receita, o que, em princípio asseguraria os ganhos. A razão disso é que a maior parte dos insumos utilizados na produção não é diretamente afetada pelo valor do dólar, a exemplo da energia, mão-de-obra, água para irrigação etc. Do lado da receita, o valor do dólar afeta todo o volume exportado. Portanto, o governo deve considerar o ajustamento lento da produção agrícola e os custos dele decorrente quando implementa políticas cambiais deliberadas. Ou seja, com o propósito explícito de atingir essa ou aquela meta no valor do dólar.


O mercado de divisas, que define a taxa de câmbio (o preço em reais de um dólar), ajusta-se rapidamente às mudanças na demanda e na oferta de dólares no País, independentemente de ter origem nas transações comerciais ou simplesmente no movimento de capitais, especulativos ou não. A propósito, são justamente os capitais especulativos que provocam as maiores e mais freqüentes flutuações na taxa de câmbio. A taxa de câmbio sobe (o dólar fica mais caro) enquanto houver um excesso de demanda por dólares e cai (fica mais barato) enquanto houver um excesso de oferta. Por exemplo, uma taxa de câmbio (R$/US$) igual a 2 significa que cada dólar vale 2 reais. Se sobe para 3, cada dólar passa a valer 3 reais e assim sucessivamente. Quando a taxa de câmbio cai para 1, cada dólar vale exatamente 1 real. Se decresce desse valor, o real passa a valer mais que o dólar.


Quando o país é pequeno frente ao mercado internacional de um bem, ou tomador de preços, como também se denomina, o volume por ele comercializado não afeta os preços mundiais. Nessa condição, uma queda na taxa de câmbio tem efeito semelhante a uma redução no preço, em dólares, do produto no mercado internacional. Como resultado, o produtor perde receita porque passa a receber menos reais pela mesma unidade exportada do produto.


Os preços internacionais do produto e a taxa de câmbio podem ser combinados de várias maneiras e assim influenciar o preço, em reais, recebido pelo produtor. O preço deve ser estável, se a taxa de câmbio e o preço externo também o são. O preço, em reais, deve subir se ambos estão crescendo e cair, se estão reduzindo. O preço também deve se elevar, se um deles sobe e o outro permanece estável. Ou cai, se um deles declina e o outro permanece inalterado. A tendência é incerta, se um sobe e o outro desce. Nesse caso, a receita em reais por unidade exportada do produto pode aumentar, diminuir ou permanecer estável. O resultado final depende, portanto, da magnitude dos movimentos na taxa de câmbio e no preço do produto no mercado internacional.


Em resumo, quando o valor do dólar cai, é como se o produtor rural pagasse por uma conta que não é sua. Quando sobe, é como se ele fosse premiado, involuntariamente, pelo risco que incorreu ao se aventurar na difícil tarefa de produzir a céu aberto, sujeito a toda sorte de intempéries da natureza. Em princípio, atividade produtiva, embora seja de risco, é para ser “premiada” (dar lucro), não penalizada (colher prejuízo).


Como se vê, o preço recebido pelo produtor pode ser sistematicamente afetado por movimentos no mercado de divisas, que é muito mais complexo e instável que o do produto em particular. Mas uma redução no valor do dólar (uma queda na taxa de câmbio) passa de um simples movimento ocasional a um grande problema, quando se torna persistente.


Uma queda persistente na taxa de câmbio só pode conviver com crescimento da produção se seus efeitos perversos forem neutralizados com ganhos também persistentes de produtividade e/ou reduções sistemáticas de custos. Ou, ainda, com aumentos nos preços do produto no mercado internacional. Mas esse último caso, por constituir um evento alheio à vontade de um país tomador de preços no mercado internacional, não constitui, evidentemente, uma opção. Trata-se, de seu ponto de vista, simplesmente de uma eventual coincidência acidental, da qual não se pode contar sempre que se desejar – e ponto final. Restam, portanto, apenas as opções reais por ganhos de produtividade e redução de custos, que também têm seus limites e não podem ser conquistados do dia para a noite, como acontece com os movimentos na taxa de câmbio.


Enfim, qualquer semelhança do que foi exposto anteriormente com a situação em que vêm vivendo os agricultores brasileiros nos últimos anos não é mera coincidência, mas uma realidade nua e crua

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