Ignorar a alta das commodities agrícolas é um grande risco

GERALDO BARROS
ESPECIAL PARA A FOLHA
As autoridades econômicas brasileiras vêm tratando com certa superficialidade o impacto do
aumento dos preços das commodities agrícolas sobre a inflação.
Assumem que variações desses preços são eminentemente temporárias e, portanto,
reversíveis no curto prazo.
Por isso, não seria necessário acionar os instrumentos de contenção da inflação mesmo
diante dos sinais de alta captados pelos índices.
Parecem seguir o exemplo de outros países, especialmente os mais desenvolvidos, onde as
commodities são excluídas dos cálculos da inflação. Continuam agindo assim mesmo após a
explosão dos preços dos ativos (inclusive commodities), que, não controlada, ensejou a atual
crise financeira.
No Brasil, uma economia ainda bastante indexada, essa estratégia pode ser perigosa. Além
do mais, há fundamentos consistentes para um movimento duradouro dos preços reais das
commodities para patamares consideravelmente elevados.
No exterior, apesar da lenta recuperação dos países desenvolvidos, os emergentes e os em
desenvolvimento deverão prosseguir em marcha batida, acenando para uma demanda firme
por produtos agropecuários.
Na esfera cambial, o dólar permanecendo baixo lastreia os níveis elevados dos preços das
commodities.
Se, como parece possível imaginar neste momento, a China vier a atender aos clamores da
maioria dos países e apreciar um pouco o yuan, elevando o poder de compra do país, mais
uma força significativa passará a sustentar a demanda mundial.
Do lado da oferta, o panorama é de preços elevados e em alta contínua, pois as previsões
apontam para a segunda redução consecutiva de produção mundial de cereais, com
expressiva queda de estoques.
No mercado interno, após o forte crescimento econômico de 2010, esperam-se taxas ainda
relevantes para o PIB (em torno de 4,5%) e aumento importante no salário mínimo, com
expansão das políticas assistencialistas.
O IPR (Índice de Preços Recebidos) agropecuário já voltou ao recorde de 2008. A próxima
safra, com previsão de estabilidade da colheita em relação a 2010, não promete ajudar
suficientemente o Brasil a desempenhar o papel que o mundo lhe reserva.
Face a essas perspectivas, as autoridades brasileiras deveriam considerar devidamente o que
se passa no mercado de commodities agropecuárias.
O enquadramento da inflação na meta de 4,5% vai obrigatoriamente envolver uma mudança
de preços relativos em prejuízo dos demais setores econômicos.
O que vem, ainda que moderadamente, facilitando esse processo é o câmbio valorizado. Um
crescimento do PIB mais lento do que o desejado deve ser o segundo remédio, ainda que
bastante amargo.
GERALDO BARROS é professor titular da USP/Esalq e coordenador científico do Cepea/Esalq/USP.

Comentários

Postagens mais visitadas