A década que se inicia em 2011 é extremamente favorável ao nosso já competitivo agronegócio. Não temos o direito de perder esse trem

Revista Época
Uma década essencial
Roberto Rodrigues

A década que se inicia em 2011 é extremamente favorável ao nosso já competitivo agronegócio. Não temos o direito de perder esse trem



Em novembro de 2010, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgaram um importante estudo sobre a demanda global por produtos agrícolas nos próximos dez anos. Segundo a pesquisa, a oferta de alimentos terá de crescer 20%, principalmente para atender ao crescimento da população e da renda per capita nos países emergentes. A ampliação da oferta deverá vir de várias regiões. A União Europeia contribuirá com crescimento de 4%; a Austrália, com 7%; Estados Unidos e Canadá, com um máximo de 15%; e Rússia, China, Índia e Ucrânia com algo em torno de 27%. A maior contribuição deverá vir do Brasil, com 40% de aumento na produção. Não se trata de uma estimativa feita por brasileiros. É uma previsão de organismos multilaterais respeitados em todo o planeta.



Além disso, a demanda por biocombustíveis pode crescer ainda mais, dada a crescente preocupação internacional com as emissões de gás carbônico causadas pelos derivados de petróleo. União Europeia, Estados Unidos e Japão têm, somados, mais de 60 carros leves por 100 habitantes. Mas China e Índia, com mais de um terço da população do planeta, têm menos de três carros por 100 habitantes. A China foi o país que mais comprou automóveis no mundo todo nos últimos dois anos. Como chineses e indianos já estão comendo, embora a renda e a população crescentes mostrem que a demanda por alimentos deverá aumentar ainda mais, é possível que a necessidade de combustíveis líquidos cresça até mais do que isso.



Para completar esse quadro complexo, é importante destacar que o grande desafio da humanidade no século XXI é exatamente compatibilizar a melhor exploração agrícola com o uso adequado dos recursos naturais. É a famosa sustentabilidade, palavra de ordem dos tempos modernos, pronunciada milhares de vezes, diariamente, em todos os quadrantes.



O Brasil já fez muito nessa rota, porque tem a mais eficiente tecnologia tropical sustentável em sua atividade rural. Os números são expressivos. Nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos no país cresceu 25%, enquanto a produção cresceu 154%. Com isso, foi possível deixar de desmatar mais de 45 milhões de hectares, dado o aumento de produtividade agrícola. Nada mais sustentável do que isso.



Com a produção de cana, principal produto para os biocombustíveis, não foi diferente. Também cresceu muito mais em função do aumento da produtividade que da área plantada. O etanol emite apenas 11% de CO² emitido pela gasolina, se considerarmos toda a cadeia produtiva da cana, desde seu plantio, segundo dados da Unicamp. Não é por acaso que a Agência Ambiental Americana concedeu a nosso etanol de cana o galardão de “amigável”. Finalmente, já plantamos mais de 6 milhões de hectares de florestas no país.



As novas tecnologias desenvolvidas no Brasil nos colocaram na vanguarda da sustentabilidade global. É o caso da integração lavoura-pecuária-floresta, cuja área vem crescendo ano após ano e servindo de modelo a todo o mundo tropical. O próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lançou neste ano um vasto programa chamado Agricultura de Baixo Carbono (ABC), com recursos vultosos que estimulam os produtores rurais a investir nessas novas tecnologias. O recente projeto lançado na COP 16 em Cancún, pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para viabilizar a preservação de nossos biomas é uma demonstração da postura preservacionista de nossos produtores rurais.



O Brasil já tem, portanto, um crédito notável de ações em direção à sustentabilidade, que o credencia a liderar a revolução da biomassa que se avizinha com a chamada “economia verde”. É por isso também, que, sem nenhum avanço na Rodada de Doha, da OMC, sem redução alguma do protecionismo dos países ricos, estamos avançando sobre os mercados mundiais. Saltamos de sexto na lista dos maiores produtores para terceiro em apenas oito anos. Em 1999, as exportações do agronegócio eram de US$ 21 bilhões; em 2010, devem ter superado os US$ 75 bilhões. Pela primeira vez na história, os emergentes ocuparam a maior fatia de nossas exportações.



Fica claro que já estamos dando as respostas que o mundo espera de nós – e podemos fazer mais. Alem de tecnologia tropical eficiente, temos mais terra disponível que qualquer outro país, além de um agricultor competitivo e capaz, técnica e gerencialmente. Mas precisamos fazer a lição de casa para nos encontrar com o destino assinalado pela OCDE e pela FAO. Há seis temas essenciais:


1. um programa de renda rural, que inclua o pleno funcionamento do seguro rural, a reforma da legislação de crédito rural e a atualização da Política de Garantia de Preços Mínimos;


2. transformar em realidade todos os projetos de melhoria da infraestrutura e de logística, um de nossos maiores gargalos, seja nas obras previstas pelo PAC, seja em programas setoriais como o das ferrovias;


3. ampliar nossas relações comerciais bilaterais, com políticas públicas agressivas, promoção comercial, acordos privados com as grandes redes de distribuição no exterior. Isso nos permitirá agregar valor às nossas matérias-primas; é claro que são indispensáveis avanços na encalhada Rodada de Doha, da OMC;
4. cuidar da defesa sanitária, um gargalo severo;


5. investir em tecnologia, um setor dinâmico, que exige coordenação entre os organismos de pesquisa;


6. criar uma estratégia de Estado para o agronegócio que envolva todos os órgãos de governo, e não apenas os ligados à agropecuária.



Em 2011, teremos um novo governo federal, novos governos estaduais e um novo Parlamento. Se todos compreenderem a extensão desse cenário favorável, o país dará um salto formidável. Nos próximos dez anos, o Brasil ampliará sua produção rural, agregando valor, gerando milhares de empregos, ampliando as exportações e assumindo papel preponderante, contribuindo, por meio da agroenergia, para uma substancial reforma na geopolítica mundial (na medida em que serão os países tropicais os grandes supridores dessa novidade). A década que se inicia em 2011 é extremamente favorável ao nosso já competitivo agronegócio. Não temos o direito de perder esse trem.



ROBERTO RODRIGUES é ex-ministro da Agricultura, coordena o Centro de Agronegócio da FGV, é presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp e professor de economia rural da Unesp-Jaboticabal

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