Sorgo sacarino pode reforçar produção de etanol no Brasil

O sorgo que alimentava o gado agora ganha a atenção dos pesquisadores. Na entressafra da cana, a planta ampliaria período de produção das usinas.
Quando se fala em sorgo, a primeira coisa que vem à cabeça é aquela planta que produz grãos e forragem para alimentar o gado. No entanto, nos últimos anos, com o mundo cada vez mais voraz por fontes de energia renováveis, um outro tipo de sorgo voltou a despertar a atenção dos pesquisadores, o sorgo sacarino que assim como a cana serve para fazer etanol.

O sorgo sacarino já foi assunto das primeiras reportagens do Globo Rural no começo da década de 1980. Na época, assim como a cana-de-açúcar, o sorgo sacarino fazia parte do Proálcool - o Programa Nacional do Álcool - lançado pelo governo em 1975 para tentar substituir parte dos combustíveis derivados do petróleo.

Não demorou muito e a cultura praticamente desapareceu. Os recursos para pesquisa minguaram e os resultados da época ficaram guardados nas prateleiras dos institutos. Agora, quase 30 anos depois, o sorgo sacarino está de volta.

A principal diferença entre o sacarino e os outros tipos de sorgo está numa parte da planta chamada colmo. Os colmos do sorgo sacarino, assim como os da cana, são cheios de caldo e açúcar. “Depois de passar os colmos na moenda podemos extrair caldos semelhantes ao da cana de açúcar para produção de etanol”, explica Rafael Parrella, agrônomo e pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo.

Parrella trabalha hoje especificamente com melhoramento genético de sorgo sacarino. A maior parte de seus ensaios fica num campo experimental da instituição no município de Nova Porteirinha, próximo à Janaúba, no norte de Minas Gerais. Rafael testa o rendimento de 25 novas variedades da cultura. “Dessas, nós vamos selecionar as mais promissoras para lançar nos próximos anos”, diz.

O sorgo é uma gramínea tropical nativa de países africanos, da região do Sudão e da Etiópia. Foi domesticado há mais de mil anos e é usado principalmente na produção de grãos e forragem para alimentação animal. Só o sorgo tipo sacarino tem o caldo açucarado que vira etanol. Da espécie Sorghum bicolor, o sacarino também produz grãos e massa verde e pode chegar a três metros de altura.

O momento agora, segundo o doutor Rafael, é favorável para a pesquisa. No mundo, a demanda por fontes de energia renováveis, mais limpas, cresce a cada dia. Mas vale ressaltar que a ideia não é substituir as matérias-primas já consagradas.

“A cana é bastante produtiva e vai continuar expandindo, contudo existe uma entressafra na cana-de-açúcar onde não se tem matéria-prima para ser processada. É aí que o sorgo sacarino poderia se encaixar muito bem, ampliando o período de moagem das usinas, e sem ampliar área, porque poderia se utilizar áreas de canaviais em renovação, utilizando o sorgo sacarino”, explica o agrônomo.

Na região Centro-Sul, a colheita da cana vai de abril a novembro, dezembro. O sorgo plantado de setembro a novembro seria colhido justamente de janeiro a março, época de entressafra da cana. O plantio feito por sementes e a possibilidade de mecanização da lavoura usando os mesmos equipamentos da cana também são grandes vantagens da cultura.

O problema hoje é a falta de sementes de sorgo sacarino no mercado. A Embrapa chegou a lançar uma variedade no passado, a BRS 506, mas não existe mais dela para vender e a instituição não quer relançá-la, prefere apostar nas variedades novas, mais produtivas, que o agrônomo Rafael Parrella está testando.

Para avaliar o rendimento das 25 novas variedades, funcionários da Embrapa colhem oito exemplares de cada uma delas. Os grãos são separados e tudo é identificado. Na sala de moagem, a equipe pesa a biomassa, massa verde total de cada feixe de sorgo. Depois, eles passam os oito exemplares de cada variedade na moenda e extraem o caldo. Registram o volume e o peso total do produto. Medem também o chamado "° brix", o teor de sólidos solúveis presente no caldo.

“Estamos procurando um valor acima de 20° brix, que é o que em média a cana-de-açúcar apresenta na usina”, diz o agrônomo. Apresentar bons teores de açúcar é fundamental, mas outros fatores também influenciam. Uma boa variedade deve produzir bastante caldo e para isso, tem que render no campo. Quanto mais toneladas de biomassa por hectare, melhor.

“A perspectiva é para que essas novas variedades de sorgo sacarino para a produção de etanol estejam disponíveis no mercado em 2012”, declara Parrella.

De acordo com a Embrapa, um hectare de sorgo, por enquanto, rende em média 50 toneladas de massa verde total, que dá cerca de 2500 a 3000 litros de etanol. Só para efeito de comparação, o rendimento médio do mesmo hectare de cana-de-açúcar na indústria hoje é de seis mil litros de etanol.

A Embrapa não encabeça sozinha as pesquisas envolvendo o sorgo sacarino. Empresas privadas também estão prestes a entrar nesse mercado. Uma multinacional, produtora de sementes, em parceria com grandes usinas, colheu este ano mais de 1200 hectares do produto para testar na indústria o rendimento de sete híbridos desenvolvidos por ela.

“Não foi um teste que foi feito para ser depois descartado. As usinas efetivamente colheram esse sorgo, levaram para as moendas para produção do etanol, que está hoje na bomba abastecendo nossos carros por aí”, afirma José Carlos Carramate, dirigente da empresa.

Para a próxima safra, os planos são ainda mais ambiciosos. A empresa já fechou parceria com 12 usinas em sete estados brasileiros. “Estamos produzindo sementes suficientes para plantar algo em torno de 50 a 60 mil hectares de sorgo sacarino no próximo período das águas. Se eu tivesse semente para 120 usinas, eu teria demanda para isso”, declara Carramate.

O sorgo sacarino não deve ficar restrito às grandes usinas e aos grandes estados produtores de etanol. No município de Jaguari, região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, sedia um campus do Instituto Federal Farroupilha que é um dos parceiros da Embrapa nos experimentos envolvendo sorgo sacarino.

No Rio Grande do Sul, eles estão testando numa escala um pouco maior as variedades que foram desenvolvidas lá em Minas Gerais pela Embrapa Milho e Sorgo. A ideia é ver como é que essas variedades se adaptam às condições de solo e clima do sul do país. Por enquanto, os resultados são promissores.

A bióloga Beatriz Emygdio, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado que gerencia o trabalho no estado, explica que o clima ajudou, o manejo foi todo bem conduzido pelos agrônomos do instituto e a produtividade da lavoura surpreendeu.

“Os resultados são excelentes, nós estamos conseguindo, com essa unidade de observação, em torno de 90 toneladas por hectare de massa verde, que seria biomassa total, considerando folhas, colmos e sementes, isso é um resultado muito bom”, afirma a pesquisadora.

Beatriz Emygdio explica por que produzir sorgo sacarino no Rio Grande do Sul, um estado que nem consta na lista dos principais produtores de etanol. “O Rio Grande do Sul tem uma estrutura fundiária que predomina pequenos produtores, e o sorgo sacarino nessa ideia de produção de etanol em microdestilaria seria uma cultura perfeita dentro dessa proposta. O processo de colheita pode ser feito perfeitamente por uma ensiladeira, para fazer a extração de caldo do sorgo”, diz.

Todo o sorgo colhido é processado no instituto. Para testar o rendimento dele em etanol, a Embrapa também firmou uma parceria com um fabricante de microdestilarias da região, onde a moenda separa o caldo do bagaço. O caldo segue para a sala de fermentação e em 24 horas, leveduras transformam todos os açúcares presentes em álcool.

O vapor da caldeira dentro das colunas de destilação separa o álcool do vinhoto, o resíduo que sobra desse processo todo e que também é usado como fertilizante. “Nós temos um rendimento excelente, em torno de 42 litros por tonelada de massa verde, isso vai dar em torno de 3000 a 4000 litros por hectare de etanol”, afirma.

Uma grande vantagem da cultura, sem dúvida nenhuma, é que ela - em pequena ou grande escala - pode ser processada pelos mesmos equipamentos que processam a cana, como explica Denis Delavi, representante da empresa parceira da Embrapa que fabrica as microdestilarias. “Com seus próprios maquinários, sem nenhum investimento a mais ele consegue aumentar a capacidade de produção da sua destilaria”, diz.

Outra coisa boa do sorgo sacarino é que ele não serve só para fazer etanol. Todo o bagaço que sobra na moenda é fonte de nutrientes e alimento desejado pelo gado. “O gado adora esse material, é muito rico, sobra ainda muitos açúcares nesse bagaço, e o sorgo tem uma palatabilidade melhor, quando comparado com o bagaço de cana, o gado prefere o bagaço de sorgo sacarino, então isso garante a sustentabilidade do processo porque tudo pode ser aproveitado na propriedade”, analisa a bióloga Beatriz Emygdio.

Como a dificuldade para encontrar sementes do sacarino é muito grande, na região, hoje, praticamente só uma fazenda mantém produção independente desse sorgo, cerca de 40 hectares. O engenheiro Eduardo Mallmann, um dos donos da propriedade, se tornou um entusiasta da cultura.

O negócio principal é a produção de sementes de arroz, mas há três anos a fazenda decidiu diversificar seus investimentos. “Nós resolvemos entrar nesse negócio de etanol e iniciamos uma pesquisa através da internet de fontes alternativas de matérias-primas energéticas que pudessem suprir o abastecimento de usina de etanol”, conta.

Chegaram, então, ao sorgo sacarino. Conseguiram as primeiras sementes com a Embrapa e passaram a multiplicá-las na própria propriedade. “A tendência é a Embrapa Milho e Sorgo apresentar novas variedades com novos potenciais que vão solidificar essa cultura no cenário brasileiro”, comenta.

Hoje, grande parte da fazenda já é abastecida pelo etanol produzido pela miniusina que Eduardo e os sócios desenvolveram para vender. Nela, eles estão sempre em busca de equipamentos movidos a etanol: gerador de energia, tratores e máquinas agrícolas. Há até um fogão a etanol, que aquece a água para fazer o tradicional chimarrão gaúcho. O etanol é armazenado num tanque e fica depositado embaixo das bocas e pode queimar por cerca de seis horas ininterruptas.

São muitas as possibilidades e se tratando de fontes de energias renováveis, o Brasil hoje tem posição de liderança no mundo. O Proálcool criado no país foi um dos primeiros programas de uso massivo e popular desse tipo de energia, mas parar de buscar novas alternativas pode significar perder o rumo da história.

O sorgo sacarino poderia ocupar pelo menos dois dos quatro meses em que as usinas costumam ficar paradas. Isso seria bom para elas, para o produto de cana e para o consumidor, que pode pagar menos pelo combustível na entressafra.

Fonte: http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2011/06/sorgo-sacarino-pode-reforcar-producao-de-etanol-no-brasil.html

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