Cozinheiros e comensais talvez não tenham notado, mas um dos temperos
mais populares no Brasil é cada vez mais chinês. Em meio a uma
verdadeira guerra de liminares e ações judiciais, importadores têm se
livrado do pagamento da tarifa antidumping imposta pelo governo e o País
tem recebido uma enxurrada de alho da China. Em 2016, a importação
saltou 67% e atualmente um em cada três alhos consumidos no País vem da
China. O Brasil já importa mais alho que lâmpadas ou placas de
computador do gigante asiático.
O Brasil compra volumes expressivos de alho chinês desde o início dos
anos 2000. Só no ano passado, quase 100 mil toneladas foram embarcadas
da região de Shandong, a maior produtora de alho do mundo, no leste da
China, para o Brasil. Desde o fim do ano passado, porém, os volumes
crescem por uma questão jurídica: importadores têm conseguido liminares
que os liberam do pagamento da tarifa antidumping imposta ao alho
chinês, que é mais barato que o nacional.
"Há uma onda de liminares que questionam a classificação do alho
chinês. O governo já tentou esclarecer, mas juízes continuam concedendo
liminares", lamenta o presidente da Associação Nacional dos Produtores
de Alho (Anapa), Rafael Corsino. A entidade tem ido à Justiça para
tentar derrubar as decisões, mas a estratégia não tem sido bem-sucedida.
O temor dos produtores é que, com o avanço das liminares, a presença
do produto importado cresça ainda mais. "A produção chinesa vai aumentar
este ano e há expectativa de que, com a liminar, custará perto de R$ 50
por caixa. O custo para produzir no Brasil é de pelo menos R$ 80", diz
Corsino, ao explicar que não é possível competir com o alho sem
antidumping. "Seria um desastre para os produtores nacionais."
Classificação
No mundo do alho, o produto é classificado conforme o tamanho. Na
Justiça, importadores argumentaram que o antidumping deveria ser
aplicado apenas aos maiores. Então, começaram a importar bulbos
pequenos. A Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex)
foi acionada e esclareceu que a tarifa vale para todos - dos menores aos
maiores. Agora, as ações questionam o tipo do alho. Importadores dizem
que a categoria "especial" - que tem mais defeitos - não deveria pagar o
antidumping, e juízes têm acatado a decisão.
O resultado dessa onda de liminares é evidente na balança comercial.
Com o aumento de quase 70% do total importado da China no ano passado, o
alho ganhou importância na pauta do comércio exterior entre os dois
países e, no ano passado, recebeu o título de 11.º produto mais
importado da China. Em 2015, o tempero ocupava um modesto 33.º lugar,
segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior. Assim, o
Brasil já compra mais alho que aparelhos de ar-condicionado, lâmpadas ou
placas de computador da China.
Avaliação
Diante da guerra de liminares, o governo federal foi acionado e
técnicos estão debruçados sobre o tema. "Estamos trabalhando para
esclarecer as dúvidas e teremos uma nova avaliação do escopo do
antidumping. A ideia é que qualquer classe ou tipo estaria dentro da
medida", diz o diretor do departamento comercial do Ministério da
Indústria e Comércio Exterior, Marco César Saraiva da Fonseca.
Em Brasília, o processo começou em março e há prazo de 120 dias para
conclusão. Fonseca nota que, além dessa medida administrativa, o governo
pode ainda reagir juridicamente pela Advocacia-Geral da União ou pela
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
A reportagem tentou durante a semana, mas não conseguiu contato com a
Associação Nacional dos Importadores de Alho, no Rio de Janeiro. Também
foram contatadas algumas importadoras beneficiadas pelas liminares, mas
que não quiseram se pronunciar sobre o tema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo
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