Crise financeira também tem efeitos desejáveis para a economia
O mercado mundial de commodities agropecuárias vai consolidando tendências para o
médio prazo à medida que as feições da segunda década deste século vão se tornando mais
firmemente diferenciadas das da anterior.
A crise econômica e financeira iniciada em 2008 não dá sinais de arrefecimento.
O sistema do euro corre sérios riscos, que se espalham pelo resto do mundo. O crescimento
dos países de renda alta deverá permanecer muito lento, enquanto a maioria dos de renda
média e baixa terá desaceleração.
Esses ajustes não trazem, no entanto, somente efeitos indesejáveis. Basta ter em conta que se
podia antever que o prosseguimento do avanço acelerado anterior a 2008 fatalmente levaria
a efeitos parecidos com os que a crise acabou causando.
Aquele forte crescimento econômico ocasionava imensa pressão de demanda por
commodities diante da oferta que seguia mais devagar por depender de recursos naturais, já
usados quase à exaustão ou no limite de tolerância do ponto de vista ambiental.
Era muito provável que essa trajetória levasse a uma explosão inflacionária desencadeada
pelos preços das commodities.
O controle dessa inflação poderia levar muitos países à redução do crescimento e outros a
um processo recessivo. A crise de 2008 produziu esse resultado saltando a etapa da inflação
alta.
Mantendo-se o movimento de preços que se estende há um ano, desarma-se, em boa parte, a
ameaça de escassez muito severa de alimentos e de outras commodities.
Agora, a partilha das disponibilidades pode ser mais equilibrada com a desaceleração dos
emergentes, principalmente da China.
Diminuem os riscos de crises gravíssimas de insegurança alimentar.
Os preços parecem se firmar em nível ainda estimulante para os produtores mais eficientes.
Oscilações continuarão a ser observadas em torno desse nível.
Não se pode descuidar dos avanços de produtividade e do uso sustentável dos recursos
naturais, que garantem a oferta no longo prazo.
No Brasil, a acomodação nos mercados de commodities é vista com alívio, embora o país
tenha sido grande beneficiário da explosão de preços que se verificava.
O crescimento econômico mais rápido de anos recentes viabilizou o aumento do emprego e
da renda da maioria da população e a liquidação do crônico passivo externo.
O Brasil perde agora esses benefícios, mas ganha outros. Um deles é a queda histórica dos
juros básicos e, surpreendentemente, dos "spreads" dos bancos, os quais juravam não haver
como reduzi-los. Resta ver se essa nova realidade se sustenta.
A desvalorização cambial, também vista com alívio, provavelmente ajudará a conter a
retração dos preços internos das commodities e a acalmar o setor industrial.
Pode, todavia, trazer custos importantes de longo prazo. Ela tende a reduzir a poupança
externa, essencial para que o país sustente um patamar mais elevado de investimento, posto
que o setor público não consegue gerar poupança em níveis adequados.
Aí está a raiz do baixo ritmo de crescimento do Brasil, que pode se estender por um período
prolongado.
GERALDO BARROS
é professor da USP e coordenador científico do Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
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