Melhoramento Genético em Milho para Deficiência Hídrica

Milho, Genética
Por Priscilla Karen Sabadin¹
Nos últimos anos, eventos associados às alterações climáticas globais vêm afetando a produção de grãos, em especial, a cultura do milho. A disponibilidade hídrica é um dos fatores ambientais que atinge diretamente a produção de grãos. A produtividade de um material com déficit hídrico é um evento muito variável, pois depende de fatores como o clima, solo e fisiologia da planta. As plantas precisam desenvolver estratégias fisiológicas e morfológicas (Passioura, 1997) para enfrentar as alterações ocasionadas pelo déficit hídrico, o que tem gerado inúmeros estudos direcionados a este fator abiótico. Tais estudos envolvem mecanismos complexos de adaptação ao déficit hídrico.
Atualmente, no Brasil são 15.8 milhões de hectares de área que sofrem estresse hídrico, dos quais, 5.5 milhões são áreas de milho verão e 10.3 milhões são áreas de milho safrinha (CONAB, junho 2016). Esses dados corroboram para a crescente demanda de estudos sobre o desenvolvimento de híbridos de milho que sejam tolerantes ao déficit hídrico, ou que tenham um melhor aproveitamento da água disponível no solo.

Caracterização dos ambientes de deficiência hídrica e as estratégias contra o déficit hídrico

A deficiência hídrica é um evento muito complexo, pois depende dos vários fatores já citados anteriormente. O primeiro grande desafio para o estudo da deficiência hídrica é a caracterização dos ambientes no que diz respeito ao momento em que o estresse ocorre: se no período vegetativo, florescimento e/ou enchimento de grãos; a duração: quanto tempo o estresse permanece; a frequência: referindo-se à determinação de qual tipo de seca é mais comum em determinada área; e a intensidade do estresse: se severo, moderado ou mais brando. Embora esses fatores sejam variáveis no decorrer dos anos, o mapeamento ou caracterização dos fatores mais comuns em determinada região, facilita o direcionamento de um programa de melhoramento para tolerância à seca (Bänziger et al. 2000).
A maioria dos trabalhos são, geralmente, conduzidos em condições de campo, sendo que, em alguns casos, a condução é feita em casa de vegetação. A campo trabalha-se com todas as condições necessárias para selecionar genótipos em seus ambientes naturais, podendo haver condições manejadas com irrigação, principalmente em locais e épocas com baixo volume de chuva. O manejo do estresse, em geral, é feito em estágios mais críticos de desenvolvimento, que são o pré-florescimento e o enchimento de grãos.
O estresse aplicado no florescimento pode causar abortamento de grãos nas espigas, pois acarreta no retardamento do florescimento feminino. No entanto, o estresse no enchimento de grãos causa um comprometimento na produtividade, ocasionado pela redução de fotossíntese o que, consequentemente, afeta o peso de grãos (Bolaños e Edmeades, 1993).
Além da caracterização dos ambientes de deficiência hídrica, é preciso caracterizar qual tipo de tolerância que a planta expressa em determinado ambiente. Segundo Turner (1981), são três os tipos de tolerância à seca que a planta pode apresentar:
  • Planta escapa a seca - materiais mais precoces que conseguem completar seus ciclos antes que a seca esteja mais severa;
  • Planta evita a seca - possui mecanismo interno de tolerância que mantém o turgor e evita a desidratação;
  • Planta tolerante à seca - redução da transpiração ou aumento da absorção de água.
Dentre os fatores de tolerância, tem-se considerado materiais de clico produtivo precoce. De fato são materiais que florescem mais rapidamente, e podem escapar com mais facilidade dos períodos de deficiência hídrica. No entanto, se eventos de déficit hídrico são antecipados, os materiais podem sofrer com o estresse. Essas informações são muito importantes e devem ser levadas em consideração no posicionamento de determinado material em áreas com probabilidade de déficit hídrico.
Algumas adaptações morfofisiológicas ocorrem sob condições de déficit hídrico, tais como crescimento reduzido, redução da área foliar, maior desenvolvimento do sistema radicular, enrolamento foliar, abscisão floral e alteração na permeabilidade de cutícula (Bastos et al. 2011, Varshney et al. 2011).
Outra estratégia utilizada pelas plantas é a eficiência na utilização da água, ou seja, maior produção de biomassa aliada ao menor consumo de água. Geralmente, a melhor eficiência está aliada ao aumento da capacidade fotossintética, pela redução da condutância estomática. No entanto, em programas de melhoramento não é favorável a redução na condução estomática, pois leva ao menor influxo de CO2 para o interior das folhas, reduzindo as taxas fotossintéticas e, por fim, a redução na biomassa (Tambussi et al. 2007).
Todavia, o sistema radicular também é um fator limitante em ambiente de deficiência hídrica. Sistema radicular bem desenvolvido e profundo geralmente tolera melhor o déficit hídrico.
O tipo de solo também tem bastante influência na intensidade de estresse hídrico. Solos mais arenosos geralmente retém menos água, o que ocasiona menor disponibilidade hídrica, já os solos mais argilosos possuem uma capacidade de maior retenção de água.

Estratégias no desenvolvimento de híbridos de milho tolerantes ao déficit hídrico

Um genótipo tolerante à seca é um material que possui maior estabilidade de produção, ou seja, o material mantém seu potencial produtivo em condições ideais de cultivo, minimizando os riscos de perda de produtividade em condições de deficiência hídrica.
Segundo Wu et al. (2011) o controle genético da tolerância a estresses e a eficiência no uso de recursos pelas plantas, tem natureza quantitativa, o que envolve vários genes distribuídos aleatoriamente em várias regiões do genoma, dificultando a seleção de genótipos tolerantes à seca. Portanto, o melhoramento para tolerância à seca é muito complexo e, por isso, faz-se necessário usar caracteres secundários para auxiliar numa seleção mais precisa de genótipos com maior produtividade.
Segundo Ribaut (1997), algumas características sob condições de seca, apresentam a magnitude das correlações maiores que em condições ideais de cultivo. Correlações significativas e negativas foram observadas entre intervalo de florescimento feminino e masculino e produtividade de grãos. Isso ocorre porque sob condições de estresse hídrico, a emissão do estilo-estigma fica sensível, afetando a polinização e, consequentemente, reduz o número de grãos nas espigas implicando em uma redução na produtividade. Por outro lado, Bänziger et al., (2000), cita que o intervalo de florescimento feminino e masculino sob condições de seca tem se tornado cada vez menor em híbridos modernos, e que a seleção tem sido possivelmente conduzida a um aumento das espiguetas e espigas e uma redução no número final de espiguetas.
Nas últimas décadas, novas técnicas de fenotipagem e genômica têm sido integradas para a avaliação de novas ferramentas para acelerar o desenvolvimento de híbridos de milho tolerantes à seca. Técnicas de fenotipagem incluem ambientes manejados de seca, delineamentos experimentais e análises espaciais usando tecnologia de modelos mistos, sensores que medem o status de água no solo e possibilita a caracterização e modelagem do balanço de água no solo nos experimentos, e medidas de alta resolução do crescimento e desenvolvimento das plantas que permitem a modelagem da performance dos genótipos (Messina et al. 2009).
O princípio dos ambientes manejados de seca permite ao melhorista testar genótipos em todos os estágios de um programa de melhoramento em cada ano e reduzir a probabilidade de desalinhamentos entre as informações dos testes em múltiplos ambientes – pelo menos para componentes ambientais que podem ser controlados – e assim ter um melhor entendimento da variação genótipo x ambiente. Os ambientes manejados apresentam os seguintes critérios experimentais: uniformidade, repetibilidade (que pode ser alcançada em múltiplas execuções dos experimentos nos ambientes manejados) e previsibilidade de déficit hídrico (que pode ser alcançada nos experimentos em ambientes manejados para as condições alvo de déficit hídrico). O princípio de ambientes manejados parece ser uma prática relativamente simples, mas envolve uma série de fatores que precisam ser conhecidos, como por exemplo, pessoas treinadas para seguir corretamente os protocolos estabelecidos. Tais fatores envolvem o tipo de germoplasma, combinação de água e tratamentos agronômicos para a imposição do estresse desejado nos diferentes estágios de um programa de melhoramento (Cooper et al. 2014).
Análises espaciais usando tecnologia de modelos mistos permite um estudo mais detalhado das diferentes fontes de variação que impactam na variação genética da seca (Cooper et al. 2014).
O controle genético dos caracteres de tolerância ao déficit hídrico é quantitativo e, por isso, com o advento dos marcadores moleculares, novos modelos estatísticos-genéticos foram desenvolvidos bem como mapas genéticos saturados foram feitos para possibilitar o mapeamento dos locos (QTLs) que controlam tais caracteres. Logo, o número, posições no genoma e efeitos genéticos de QTLs individuais foram estimados. Para deficiência hídrica, QTLs foram identificados controlando intervalo de florescimento feminino e masculino (Li et al. 2003, Zhang et al. 2004, Szalma et al. 2007, Ribaut et al. 2007, Wu et al. 2008). No entanto, número, loci cromossômico ou efeitos, variam com os diferentes tipos de estresse hídrico (Liu et al. 2010). Por outro lado, o intervalo entre florescimento feminino e masculino sob deficiência hídrica em híbridos modernos tem se tornado cada vez mais reduzido, dificultando o mapeamento de QTLs nestas condições de deficiência (Araus et al. 2012).
Recentemente, abordagens transgênicas têm sido investigadas como oportunidade de manter ou aumentar a produção de milho sob condições de seca (Castiglioni et al. 2008, Guo et al. 2013, Chang et al. 2014, Habben et al. 2014). Embora se tenham várias vertentes nos estudos de tolerância à seca, ainda há muitos desafios associados à fenotipagem e identificação de materiais tolerantes, que estão aliados às muitas opiniões divergentes na comunidade científica.

Referências Bibliográficas

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