XII CONGRESSO INTERNACIONAL DO LEITE

Gestão de recursos humanos na propriedade rural é um dos temas do Congresso

Mão de obra eficiente: o caminho para a lucratividade e a qualidade do leite 
A produtividade da mão de obra brasileira na pecuária de leite é uma das menores entre os principais países produtores. Segundo dados o IFCN (International Farm Comparison Network), organismo internacional que compara a produção das fazendas de vários países no mundo, a produtividade média diária no Brasil fica em torno de 190 litros de leite por empregado. Na Argentina, estes números variam de 500 a 970 litros de leite e na Nova Zelândia, entre 1.600 e 2.100 litros. É lógico que fatores como a mecanização das fazendas e o aumento da escala de produção – próprio daqueles países - interferem positivamente na produtividade do trabalhador, mas segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, João César de Resende, há ainda muito que evoluir em termos de qualificação da mão de obra do homem nos campos brasileiros. 
Segundo Resende, o caminho para esta evolução é a capacitação do trabalhador. Em um estudo realizado em 170 fazendas no Triângulo Mineiro e Alto do Parnaíba (duas das regiões que mais produzem leite em Minas Gerais), o pesquisador constatou um índice de produtividade girando em torno de 230 litros de leite/trabalhador/dia. Este número é mais do que 20% superior à produtividade média do estado (180 litros/trabalhador). Resende avalia que este aumento se deu graças à consultoria técnica e financeira prestada aos produtores por meio do Educampo (programa de apoio aos produtores de leite, coordenado pelo Sebrae). Em fazendas onde o investimento na capacitação dos empregados é uma realidade cotidiana, este índice pode ser ainda maior. 
“Minhas pesquisas tiveram como objetivo estudar a relação do lucro com a qualidade da terra, das vacas e da mão de obra”, informa Resende. “Como era esperado, o lucro das fazendas está plenamente associado à topografia e à fertilidade da terra, além da boa genética do rebanho, mas a correlação com a qualidade da mão de obra se mostrou, estatisticamente, muito mais forte”. A conclusão do pesquisador é a seguinte: “é imprescindível investir na terra e nos animais, mas os investimentos que redundam em maior produtividade dos funcionários devem ser priorizados, pois têm impacto positivo mais forte sobre o lucro”. 
A questão salarial – Qualidade técnica do trabalhador também significa salários compatíveis. O salário mínimo estipulado pelo governo federal sempre foi a principal referência para o valor da mão de obra no campo. Quando comparado ao preço do leite, este valor apresentou variações com o passar do tempo. Há 20 anos, os produtores gastavam em média 190 litros de leite por mês para pagar o salário de um empregado. Atualmente, gastam, em média, 680 litros. Isto não significa que o trabalhador libertou-se do salário mínimo. O aumento da renda em litros de leite reflete a queda do valor do produto (40%) ao mesmo tempo em que houve um crescimento real do salário mínimo (140%). Ainda que o mínimo esteja mais valorizado quando comparado há duas décadas, Resende não acredita que o valor seja suficiente para contratar trabalhadores verdadeiramente capacitados para a atividade. 
A analista da Embrapa Gado de Leite, Letícia Caldas Mendonça, concorda com o fato do salário mínimo não ser suficiente para atrair mão de obra especializada. “Além do baixo salário, o trabalho é pesado e os empregados costumam tirar apenas uma folga por mês, já que a atividade leiteira demanda um acompanhamento quase que integral”, diz. Estes fatores tornam o trabalho no campo cada vez menos interessante e as facilidades da vida urbana deixam o setor rural com uma carência cada vez maior de profissionais. Segundo a analista, a atividade na pecuária de leite emprega, principalmente, a força de trabalho masculina, enquanto as mulheres desempenham atividades nas cidades; isto torna o vínculo do trabalhador com a fazenda muito frágil. A qualquer hora ele pode abandonar a atividade em busca de algo melhor. 
Uma solução para fortalecer tal vínculo pode ser valorizar a presença feminina na propriedade, empregando a mulher e o marido. Para Letícia Mendonça, o trabalho feminino é muito importante em setores da fazenda como a ordenha e a criação de bezerros. “Há uma sintonia maior do trabalho da mulher com estas atividades. O fato da trabalhadora ser mais ligada a aspectos de higiene faz com que a qualidade do leite ordenhado seja superior”. A analista diz que esta qualidade deve ser recompensada. Uma das formas é destinar parte da bonificação que a indústria paga por produtos com menores índices de Contagem Bacteriana Total (CTB) e de Contagem de Células Somáticas (CCS) para as funcionárias. 
É consenso entre analistas e pesquisadores que o trabalhador é o bem mais precioso da propriedade. Falta o produtor ter consciência disto e valorizar mais a sua equipe. “Muitos donos de fazenda reclamam da pouca qualificação da mão de obra, mas não fazem nada para reverter isso, seja investindo em treinamento ou tornando o trabalho mais atrativo do ponto de vista salarial”, avalia Letícia Mendonça. 
Para Resende, melhores salários não significam necessariamente custos altos. “Uma equipe bem treinada, comprometida e estimulada será traduzida em melhores índices reprodutivos, sanitários e nutricionais. O aumento da produção eleva também a produtividade da equipe, diluindo os custos unitários”, contabiliza o pesquisador, que conclui: “promover o aumento de salários pode ser, ao mesmo tempo, reduzir os custos unitários com a mão de obra”. 
Formação profissional – A Residência Zootécnica na Atividade Leiteira é outra iniciativa da Embrapa Gado de Leite voltada para formação de profissionais bem preparados na lida com os desafios cotidianos de uma propriedade leiteira. A Residência é uma modalidade de estágio destinada aos estudantes de ciências agrárias dos Institutos Federais de Ensino Tecnológico (IFETs). O objetivo é complementar a formação técnica e pessoal dos participantes. Durante a Residência, os alunos conhecem, na prática, todas as fases da produção de leite. Segundo Marne Moreira, supervisor do Setor de Gestão da Implementação da Programação de Transferência de Tecnologia da Embrapa Gado de Leite, a Residência se apoia no princípio do “aprender fazendo”. 
“O programa possibilita a vivência do estudante em todas as atividades de manejo, trato e alimentação dos animais em diferentes sistemas de produção de leite”, explica Moreira. A Residência Zootécnica é dividida em cinco módulos: Sistema de Gado Mestiço (Holandês/Zebu); Sistema de Gado Puro (Holandês); Pastagens (dois módulos) e Sistema de Gado Mestiço com Bezerro ao Pé. Ao final de cada módulo, os residentes são avaliados. Os que cumprirem no mínimo 75% das atividades previstas e nota final igual ou maior que “sete”, recebem, ao término do programa, o certificado de conclusão de Residência Zootécnica na Atividade Leiteira. Além das atividades práticas, com carga de 40 horas semanais durante um ano, são oferecidas 220 horas de cursos específicos, o que faz da Residência um dos mais completos programas de formação para a pecuária de leite no país. 
Atualmente, a Residência disponibiliza 30 vagas anuais, mas a instituição está ampliando a infraestrutura na expectativa de receber 50 alunos. Mais do que investir na formação profissional, o interesse a Embrapa é criar difusores das tecnologias geradas ou adaptadas pela Empresa. “Temos matriculado na Residência estudantes de todas as regiões do país que convivem de perto com os processos e produtos desenvolvidos aqui. Quando voltarem às suas regiões, cada um destes técnicos será um multiplicador destes processos e produtos”, avalia Moreira. 
Os residentes são selecionados pelos IFETS cadastrados pela Embrapa Gado de Leite. A Empresa, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, oferece alojamento, uniformes, alimentação e uma bolsa em dinheiro para os inscritos no programa. Cerca de 90% dos estudantes conseguem emprego logo ao sair da Residência. Os salários pagos – cerca de R$ 2.000,00 - mostram o quanto o mercado pode valorizar a mão de obra qualificada. Para Moreira, isto já demonstra uma mudança de cultura no campo. 
“A qualificação é um dos principais gargalos da atividade e o empregador está percebendo que para ser lucrativo ele precisa investir em bons profissionais”, diz Moreira. Uma das maneiras de realizar este investimento é qualificando os profissionais por meio de cursos de formação. A procura por estes cursos na Embrapa tem aumentado sensivelmente, principalmente aqueles voltados para as práticas higiênicas de ordenha. Outra forma de investir na equipe de trabalhadores é praticar salários atrativos e esta é uma responsabilidade exclusiva do produtor. 

Rubens Neiva

 

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